quarta-feira, 21 de outubro de 2020

 

 

 

Retirante



Sou o que me sobra
O que em mim deixam ficar
Sou pau para toda obra
Com vontade de chorar

Vou vivendo em cidades
Vou trocando de países
Vou perdendo identidade
Vou deixando as raízes

A pele, feita de couro,
Vai suportando o açoite
Sai em busca de ouro
De presente ganhei a noite

Sem comida
Sem uma morada certa
Uma lágrima escondida
Escorre na face deserta

Um ninguém eu sou
Um pária nesta vida
Acho que o que em mim ficou
Foi uma vida sofrida.

 

 

Envelhecendo

 

Estou ficando velho
O fim da primavera chegou
Não me levo tão a sério
Aproveito o que sobrou

Já se foi a boa parte
Do que chamo "meu viver"
E olha que foi uma arte
Até aqui sobreviver

Tentaram me derrubar
Bem mais do que uma vez
Tenho uma mão a segurar
Que tudo isto desfez

A pele enrugando
As cãs já vão surgindo
A cabeça cai falhando
E eu dizendo bem vindo

Vou buscando no passado
As alegrias perdidas
Que em um coração cansado
Foram todas concedidas

Vou aproveitar o que eu tenho
Desta vida tão vivida
Vou seguir por onde eu venho
Antes de vir minha partida.

 

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